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Escutar para Contar
Caminhos de uma narradora descalça
A primeira vez que encontrei Dona Maria Celestrina Rodrigues, a “Mãe Véia”, mulher Kaingang de 90 anos, no território indígena Toldo Chimbangue, em Chapecó/SC, ela estava com os pés descalços. Pés na terra, de cócoras em seu quintal de chão batido, entre galinhas, vassouras de guaxuma e bolsinhas de sementes crioulas. Paciente, trançava finas tiras de taquara, idênticas entre si, para tecer uma peneira — dessas que servem, entre outras coisas, para pegar Saci.
Antes de chegarmos, uma neta nos avisara que íamos ao encontro da mãe de toda a aldeia: parteira, sementeira, raizeira, agricultora, artesã, curandeira. Fomos ouvir seus causos. A “Mãe Véia” interrompeu o trabalho, sorriu e nos convidou para entrar. E todos, como ela, tiramos os sapatos.
Enquanto descalçava os meus, lembrei de uma passagem do livro Mulheres que Correm com os Lobos — ali, a autora falava sobre aprender a tirar as vendas. E naquele instante, diante de Celestrina, senti que eu aprendia a tirar as minhas. Tive o impulso de permanecer em silêncio, apenas observando e absorvendo cada linha que as histórias do seu rosto e dos seus olhos pequenos e vivos tinham para contar.
As mãos da Selestrina — grandes, fortes, cheias de vincos e cicatrizes — lembravam uma araucária antiga, dessas que já espalharam muitas sementes. A própria existência dela já seria, por si só, uma história inteira.
Depois daquele encontro e daqueles pés na terra, muitas vezes tirei os sapatos para entrar na casa das gentes e ouvir histórias. E, por muitas outras, contei histórias também de pés descalços, numa tentativa de me conectar afetivamente com essa imagem. Aqui na roça, e em tantas culturas, tirar o sapato antes de entrar é um gesto de respeito e cuidado — pés descalços para se colocar diante do outro no seu espaço mais íntimo, o interior da morada, da memória.
Tirar as vendas é um exercício necessário para enxergar e sentir melhor o lugar onde o causo acontece. Falo de vida, de terra úmida e fresca tocando a pele, caminhando pelas veias e saltando à boca em forma de palavra. Tenho pensado que a imagem narrada precisa ser semente nova, germinando o tempo todo — broto desejando vida e energia.
Penso na sola do pé fincada na terra, sentindo pedras, texturas, cheiros; reagindo ao espinho no tempo certo, deslizando na água conforme o ritmo do solo. Nem sempre alcançamos a inteireza desse passeio, mas foi com a “Mãe Véia” que aprendi a lição mais afetiva sobre a conexão com o mundo, com as histórias e com a terra.
Aprendi também com Manoel de Barros:
“Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens... quem se aproxima das origens se renova.”
As experiências com o povo da roça e o desejo de estar mais próxima dos lugares onde as histórias acontecem me levaram a viver também na roça. Meu pé na terra, próxima das origens.
Essa é uma imagem bonita do trabalho de pesquisa e escuta de narrativas orais que desenvolvemos pela Cia ContaCausos, no oeste catarinense, desde 2008.
No primeiro capítulo da obra Saci-Pererê: O Resultado de um Inquérito, organizada por Monteiro Lobato em 1918, ele oferece uma pista preciosa sobre a inspiração de toda a sua obra:
“Frequentavam o povo, conviviam com ele, impregnavam-se das suas crenças, ouviam-lhe as histórias; e saíam dele cheios de ideias, de formas, de coragem e de inspiração. Procedamos assim. A fonte de água pura é uma só, e a mesma, na Grécia, na França, na Rússia e no Brasil: o povo.”
Guardo essas pistas como quem guarda sementes — para seguir buscando o caminho da contadora de histórias que desejo ser:
“Caminhar descalça.”
“Alcançar o sotaque das origens.”
“Coragem e inspiração.”
São essas luzes que clareiam meus caminhos e sustentam os motivos e sentidos do fazer artístico da Cia ContaCausos.
Além de narrar contos populares brasileiros, desde 2008, Josiane Geroldi realiza um trabalho significativo de pesquisa com as narrativas orais da etnia cabocla no oeste catarinense. A pesquisa teve início como parte de seu trabalho de conclusão de curso em Letras pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó), intitulada Personagens Recorrentes no Imaginário Social Caboclo no Oeste Catarinense, sob orientação das professoras antropólogas Dra. Adiles Savoldi e Dra. Arlene Renk.
Por meio de entrevistas abertas com moradores de comunidades rurais de Chapecó e da pesquisa no acervo do CEOM – Centro de Memória do Oeste, especialmente nas transcrições do projeto Inventário da Cultura Imaterial Cabocla , foram coletadas e organizadas, por temas, cerca de 46 narrativas que abordam lobisomens, bruxas, São João Maria, Chica Pelega e visagens.
A partir da escuta das comunidades imaginário regional dessa etnia no oeste catarinense e transformou essas informações em espetáculos de narração artística, que circulam por diversos estados do Brasil. Entre os espetáculos que se destacam estão Visagem , Vozes Vivas – Histórias de São João Maria e Foi Coisa de Saci!.
Esse trabalho de pesquisa continua em desenvolvimento através do projeto Expedição Sabença - contemplado pelo Edital das Linguagens no ano de 2024 - o projeto tem como objetivo mapear, entrevistar e reconhecer mulheres mestras das culturas tradicionais da região oeste Catarinense.
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Dona Luiza Freitas
Dona Luiza Freitas mora em Chapecó e é devota de São João Maria, batizou os filhos e boa parte dos netos nas águas santas do Monge Peregrino. Uma mulher de coragem e fé que compartilhou conosco algumas histórias
A seguir, fragmentos de narrativas transcritas da entrevista:
Olha, tem uma história... só que aquele do benzimento do afogado eu não lembro mais bem, mas até pouco tempo eu ainda lembrava, que diz que ele tava dormindo num galpão, mas não nesse galpão dos avós da minha mãe né, do bisavô da minha mãe né... e diz que ele pediu pra mulher, dona da casa, se ela tinha umas...ninguém sabia que ele era um santo... se ela tinha um prato de comida para dar para ele. E diz que a mulher era meia má, diz “Não, eu não vou dar comida pra esse véio nada. Mas ele disse para experimentar o coração daquela pessoa né. Ele voltou lá pro galpão, aprontou a comidinha dele...aprontou, o prato dele aparecia na frente dele do nada... e a família estava fritando peixe para comer, e na hora que estavam jantando, uma criança se afogou com um espinho de peixe né... Daí corre pra lá corre pra cá e a criança morrendo, morrendo, morrendo... Daí diz que o homem disse : Corre lá pedir pro véio, quem sabe aquele véio sabe benzer, porque vai morrer o nosso filho, com o espinho de peixe atravessado na garganta né... Daí diz que ele largou o pratinho dele e foi lá e só ponhou a mão na cabeça da criança, diz que o espinho do peixe saltou. Daí o benzimento de afogado fala assim: Homem bom, mulher má... daí tem mais umas palavras, mas eu não lembro mais do benzimento. Até bem pouco tempo sabia...mas então ele salvou a criança do espinho de peixe na garganta, com a fé, né, e mostrar pra mulher que não adianta ser egoísta só porque era um velho, meio sujo, assim, né, ela, assim, sabe, não quis dar nada pro véio, ele fez aquilo para experimentar né.
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Vozes Vivas - Rosalina Batista
"Tem uma mulher ali na Cachoeira que na vó dela ele chegava, diz que pousava. E tinha um lugar de repousar assim, que diz que levavam coisa pra ele. Diz que uma vez uma muié levou parece que três folha de couve, diz que dava de comida pra ele. E outra foi levar uma galinha, mas quando foi pegar a galinha disse...não sei o que deu lá que ela chamou a galinha do diabo e daí ele não quis a galinha porque ela tinha dado pro diabo primeiro.
Fazia os batizados em casa. Os nossos tudo foram batizado em casa e na igreja. As vezes batizava em casa, depois batizava na água de João Maria e na igreja.
Tinha um lugarzinho onde ele pousava, não sei se era debaixo de uma árvore ou onde que era né, sei que diz que quando ele ia pousar ali, diz qe as muié até iam levar as coisas pra ele lá, pra fazer comida. Diz que uma levou três folhas de couve, diz que ele gostava de coisinha assim , pouquinho né. . E outra foi levar uma galinha, mas quando foi pegar a galinha disse...não sei o que deu lá que ela chamou a galinha do diabo e daí chegaram lá, diz que a couve ele aceitou, a galinha ele não quis, diz não, a galinha vc já deu pra outro dono.
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Vozes Vivas -
João Amaral
Contavam que ele chegou numa casa e pediu pouso, aí a mulher, metida, né, aí ele pediu não não quero pouso na casa, pode ser naquele galpãozinho...a mulher não sabia com quem tava falando né... aí foi pro galpão. Chegou a hora de jantar aí o homem falou, mas muié, tem que levar uma comida lá pro homem, um véio coitado, o homem tinha dó né. A mulher falou, pega ali, tem um feijão sem sal, pega uma esteira de palha, tinha cobertinha, mas...pega uma esteira de palha e um feijão sem sal e leva lá pra ele...podia mandar uma comidinha boa pro coitado né. Ele levou e disse, olha, é o que temos é isso aqui. Tudo bem. Quando voltou de lá, a mulher se afogou numa coisa que comeu...o homem voltou lá par apedir ajuda, e Jõao Maria já sabia o que tava acontecendo,o homem falou, a mulher tá se afogando lá, e tá mal, o senhor não sabe um remédio ou simpatia¿ Pode ir , espera, escuta o que vou dizer e pode voltar lá que ela já está boa. Esteira de palha, feijão sem sal, que salte o osso da boca desse animal. O homem voltou pra casa e a mulher tava desafogada.
Goio-en
Aconteceu ali, então, ele viajava né. Então chegou lá no porto e tinha uma barca que passava. Então ele pediu passagem. Ah, não podemos passar só por causa de um, se ainda tivesse um cavaleira, uma carrocinha pra pagar a viagem né... tá bem, tá bem, ele tava ali, de repente pegou uma tábua, botou na água e se sumiu, quando viram tava lá do outro lado já... Aí chegou lá e disse: Olha, por três anos vocês não precisam esperar enchente...tinha tudo as madeiras de balsa amarrada, as dúzias de tábuas empilhadas e amarradas. E ele disse, essas madeira aí, uma parte leva uma parte vai crescer capim em cima, crescer mato em cima, daqui três anos que vai dar enchente. E diz que levou três anos para dar enchente, e aquela madeira ninguém queria levar pq estava podre. E até quando nós viemos lá de Soledade né, qua meu avô comprou terra em Santa Catarina né, então nós viemo junto né, piazão, passemo lá nas balsa, cheio de capim em cima.. veio a enchente, mas demorou três anos.. imagina o prejuízo barbaridade...mas foi só porque ele foi bruto, né, de não dar passagem, se desse ele ia abençoar né.
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Vozes Vivas -
Paulina Antunes
Ele deixava a sementinha para fortalecer os donos da casa, pra ficar abençoado aquela sementinha. Só que quando ele apareceu, que eu vi, esse é o que aconteceu pra mim, pra nós na nossa casa, mas eu já ouvi contar as histórias que ele aparecia antigamente, e eles nem tavam pensando que podia acontecer isso né... que ele passava o rio, que o rio aqui do Irani, que ele aparecia do outro lado do rio e ele atravessava o rio, mas não molhava os pés. Passava por cima da água e não se molhava.
Ele chegava onde tinha criança ou crescidos que não foram batizados, ele ia batizando. Batizava abençoava e seguia. Daí dizia tudo as história. Ele dizia: olha, vocês vão ver muita coisa que vai acontecer. E dito e feito. Eu vejo por mim, antigamente a gente usava aquelas manga de meia quarta que nem eles diziam, a metade do braço. Que aquela vez nós não usava calça, não cortava o cabelo, ele disse ansim: vocês vão ver muita coisa pra frente que tá pra acontecer, as muié vão cortar os cabelos, elas vão usar carça, não vão mais usar vestido, e os home vão deixar os cabelos compridos, e eu já vi essa história, que tem muito homem que deixa o cabelo comprido né, daí vocês não vão conhecer qual é o homem e qual é a muié. Eu escutava os mais velho contar...e ele disse e vai dar guerra, e aconteceu guerra, não aqui, mas aconteceu fora... e nós também já quaje guerriêmo né, foi acalmado as guerra, que mesmo os indígenas né. Tem alguém que sempre acalma né...
Eu vou continuar minha viagem e mais pra frente, se eu encontrar mais crianças vou fazendo o batizado e aonde tiver uma fonte de água eu vou abençoar e quando vcs precisarem sabem que tem aquela fonte, e quem tiver fé vai curar, e vcs usem essa água para fazer os batizados.
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Vozes Vivas -
Selestrina Rodrigues
Eu só sei a história que o meu avô me contava quando eu era criança ainda. E tudo que ele contava pra nós que São João Maria falava , n´s temos visto acontecer. Até dos trajio (trajes) das (uvié¿) das roupa, dos cabelos, tudo. Que de um ponto em diante os marido não podiam mais governa as muié...tudo...se a gente vai conta tudo inté cansa né... Ele dizia, eu não vou ver, mas vocês vão ver. E é bem verdade, tudo que ele disse que nóis ia enxergar , que era diferente do nosso tempo, já tá aí. Da piazada não obedecer os pais, os pais matar os fio. Os fio matar os pais. Tudo isso nós já vimo acontecer.
Eu nunca cheguei a ver (São João Maria, ou se enxerguei não me lembro, eu era pequena né. É que meu avô contava, mima vó, eles viram. Ele escolhia, as vezes ele chegava nas casa. Ou se tinha umas árvores, um arvoredo, ele ficava lá, debaixo daqueles arvoredo., fazia a comidinha dele lá. Ele carregava três madeirinha de erva e com aquilo ele fazia o fogo e fazia a comidinha dele, com três folhas de couve. (Multiplicação da comida) Fez comida com três folhas e ainda sobrou, todo mundo comeu e sobrou.
Era uma pessoa, só que ele contava as histórias, assim, que ia acontece, porque ele sabia. O meu marido era fiél dele e foi batizado por ele. Ele se lembrava porque os pais dele contavam. Ele não foi batizado na igreja, só foi batizado por São João Maria. Meus filhos foram batizados em casa e na igreja.
Batismo em casa é com água e sal e depois a oração que tem do batismo. Me lembro um pouco da oração mas já não lembro tudo. (intervenção da filha: com arruda né e a velinha. A velinha não é dessas vela, era vela de cera de abelha mesmo. Daí fazia, pegava um paninho, esticava bem, esquentava a cera e enrolava)
Tem muitas histórias que a gente esquece as coisas, não tem mais aquele que sempre tava contando.

Vozes Vivas -
Darci de Melo
São João Maria? Não, eu não conheci, mais a minha mãe conheceu muito bem ele, a minha mãe contava umas história do São João Maria, que é engraçado porque serve de lição pra hoje. Tem gente que as vezes é bão, mas das veis não pode te nada, e daí tem que sê pobre, porque o dia que ele tivé uma camisa a mais que você, não te olha mais na cara, pode se teu amigo, se criou junto, mas a hora que ele tivé bem de vida ele não te dá valor. E tenho mais uma coisa pra dizê, os amigo não são aqueles das festa, das cervejada, tem que vê a meia-noite quando tu tivé e fala: “Sergio [amigo] sarte [levante] da cama e venha me acudi, to precisando de socorro”, se ele disse já vo, daí sim, mas se ele fala: “não posso to com o carro limpo, to meio ingripado”, já viu né...e era disso aí que São João Maria falava, a minha mãe contava isso aí, diz que ele chegava com outros dois, agora me esqueci o nome, devia de te escrevido, mas era assim que nem uns apóstolo, gente que nem nóis, apóstolo né. Diz que eles chegavam, eles viajavam né, diz que se ele desse uma laranja pra você plantá a semente, diz que o que dava de laranja... Que chegava derrama dos pé, diz que dava pra pessoa puro dinheiro. E eles Chegaro em três, o João Maria e mais dois, diz que chegaram no pai do Virso, diz que ficô, dormiro um pouco. E diz que o São João Maria sabia mais ou menos como que a pessoa era, e diz que ele carregava uma bolsinha anssim, cheia de semente de trigo, daí diz que o home pediu: “mas olhe você não vai me dá nem um punhadinho desse trigo, daí diz que o João Maria disse que não. Daí diz que ele falou, “não vo dá porque esse home aí não merece”. [Os outros dois] “Mas não diga, mas esse aí te deu de come”, e o João Maria disse: “mas esse home um dia que ele tive qualquer coisa ele não olha mais pra gente, ele nem manda mais nos se chega nas terra dele”. Daí diz que os dois insistiram e ele disse: “oia, eu, se vocês querem que eu dô eu dô presente de trigo pra ele, só que não merece”. Daí deu pro home e disse: “ó isso aqui é um trigo bento, isso aqui no que o senhor plantá, isso aqui vai explodi, em bem pouco tempo o senhor vai fica milionário, esse trigo aqui o senhor pode ir plantando que ele vai dá”. Naquele tempo a planta era trigo né, feijão, Charque, só né.
Dali uns tempo, uns 4 ou 5 anos eles passaro ali de novo, e o home já tava cestiando, daí veio uma empregada e o João Maria falou: “escute, não tem aí um pouquinho de comida pra nóis?”. Daí ela disse: “oia, o patrão ta dormindo, mas eu vo falá pra ele”. E aquele home já tinha até escritório. Daí diz que ela falou pro patrão dela: “olha tem uns home aí tão querendo um pouco de comida”, daí diz que o home não tinha armoçado ainda e disse pra falá pra eles [ João Maria e os outros dois] que depois que ele comesse, o que sobrasse ele dava pra eles, mandô eles espera na sombra. Daí João Maria cestiou um pouco e dali a pouco veio a empregada “ tai a comida de vocês” pegaro os pratos e comero, daí no final João Maria pergunto pra empregada quanto custava, daí ela foi pergunta pro patrão e ele disse: “ esses vadio que andam pras estrada, esses andarilho, bote os três pra maia o trigo na manguara e daí.... os três foro, e o João Maria disse: “ viu ele nem arecebeu nois, falei pra voceis”.
Pense, ele comeu junto com eles daquela vez e depois nem recebeu mandou a empregada, “se ele ainda tivesse pobre ele ia come junto com nóis”. É eu nunca me dei o capricho, mas a minha mãe contava muita história, que diz que podia se que nem no Bormann assim, diz que minava de formiga, São João Maria benzia qualquer coisa e daí podia planta repolho no meio do formigueiro que a formiga não comia, abençoava, benzia. E isso existiu, né, o povo naquele tempo acreditava muito né, só tinha isso aí pra acreditá né

Vozes Vivas -
Maria Ribeiro
Isso aí, essa história é do tempo que eu tinha 10 ano, meu pai era tomador de cachaça né, tomava que Deus o livre. Um dia daí... Nóis era pobre, pobre, nóis tinha vindo do Rio Grande, mora ali onde mora o Laurindo Bosco e daí um dia nóis tava... Era tempo de mio verde né, a mãe tava fazendo janta e veio chegando aquele véinho com um pão em baixo do braço, vinha quebrando aquele pedacinho de pão, e o pai sentado na frente de casa tomando pinga. Daí ele chegou e disse pra nóis... Deu um pedaço de pão pra mim, outro pra mãe e daí olhou pro pai e disse: “Você não carece come pão né, você tá tomando cachaça”. Bem anssim! E daí foi contando a história...E daí ele disse : vocês sabem com quem que vocêis tão falando? Daí a mãe disse: “eu não”. É, daí ele disse: “eu sou o cervo de Deus, sou São João Maria, eu ando no mundo fazendo visita”. Daí disse pra mãe. “ó, e olhou na roça de milho verde na frente de casa né, e disse: “dá pra mim quebra umas espiga de milho ali pra mim assar no seu fogo de chão”, que nóis tinha né...daí ele pegou as espiga de milho e tirou metade da palha abriu um borraio assim e cobriu, ele disse: “a gente assa o milho assim a gente não queima o milho porque queima o leite de Nossa senhora” né. E eu sei que ele ficou ali, daí tava anoitecendo e daí ele disse: “vocêis não tem poso pra mim aqui, porque a casinha de vocêis ta muito pequena, mas ali tem um galpão que dá”, mas era do outro morador né, que o pai cuidava, ele disse: “da pra mim posa lá?” daí disse pro pai: “você vai me levar lá?” Daí disse: “lá é muito mal acompanhado aquele lugar lá, mas eu faço as minha devoção e daí eu poso lá”. E daí poso lá. Daí no outro dia cedo ele chegou lá na mãe e disse pra mãe: “meu Deus, eu não dormi nada essa noite, é muito mal acompanhado aquele lugar” e daí disse pra mãe: “Vocês tão mau de roupa, vocês não tem nem mais um carçado mais pra calça, é mais de hoje em diante vai indireita a vida de vocêis, mas por causa de você porque o teu marido não é católico” e daí saiu, foi embora o chapéu dele era de palha desses de butiá, paia branca e saiu, foi embora...
E lá na Linha Vailão tem os pocinho de água de São João Maria, nunca seca, ali tinha igrejinha de São João Maria, tinha tudo, tinha as foto dele, tudo ali... E nóis ia busca água lá também, quando a gente qué te água, quando nosso poço tava quase secando nóis fumo com a comadre e o compadre Lino lá busca água, pra punha no poço. E daí vorto a água.
Eu vi o São João Maria, nunca me esqueço. Ele disse que ia chegá um tempo que ele não ia mais andá porque ia tapá o mundo de cerração pra ele por causa da fumaça dos filho que fumavam perto dos pai, ia fechá, ia chegá um tempo que ele não ia anda mais, ele disse pra nóis: vocês vão me ver agora, mas mais tarde vocês não vão mais me vê, porque vai tapá o mundo de cerração pra mim e eu não vo mais enxerga vocêis.
Na casa da minha bisavó ele chego também, daí a minha vó disse pra ele: “ó eu não posso te dar poso, porque eu tenho minhas filha em casa e eu sô sozinha”, daí diz que ele disse: “Ba, mas você tá muito errada, porque se um quer fazer o mau pra você ele vem e não fala nada pra você, só me arrume umas folinha de couve pra mim fazê uma cuzidinha e depois eu vo embora, e a minha vó sempre contava isso aí, a comida dele é a couve.